Impressões: Peugeot 308 1.6

Quando escrevi sobre o Peugeot 308 Allure 2.0, mencionei que tinha andado também na versão mais pacata, equipada com o moderno motor EC5 1.6 16V. Já estava tudo pronto para o post ir ao ar quando meu contato me ligou me oferecendo o Peugeot 308 Allure 1.6 para uma volta mais longa, visto que andei apenas alguns poucos quilômetros na última ocasião. Ignorei portanto o post anterior, coloquei as mãos no volante da variante mais suave do leão e o resultado está aqui.

Aro 16 na versão mais mansa.

Dizem que a química é o que faz com que a atração entre dois seres apaixonados ocorra de forma que os defeitos de um não sejam vistos pelo outro. Diante de toda a perfeita tradução de sensualidade sobre rodas provocada pelo Peugeot 308 com motor 2.0 16V e câmbio manual, os defeitos deste sequer vieram à tona, mesmo quando ele enxugou 50 litros de Etanol em menos de 300 km. Uma verdadeira esponja. Já ao volante do modelo mais fraco, sobrou tempo e raciocínio para analisar os pontos fracos do novo leão.

O "meu" Peugeot 308 Allure 1.6 era preto, e estava estacionado no sol escaldante de 36 ºC do verão carioca ao meio-dia. Além disso, fui informado que esse modelo em especial tinha recebido bancos de couro instalados na concessionária, que esquentam no sol como chapa no fogão. Depois da minha experiência com o teto panorâmico CIELO no Allure 2.0, eu estava temeroso feito leitão que tinha a pururuca como destino. Ironia ou não, eu estava comendo uma maçã.

Acionei o comando para abrir as portas por meio da chave canivete, o cheiro de couro sintético exalou junto com o vapor escaldante que habitava no interior do hatch. Abri as janelas, levei o carro para uma sombra logo à frente e então pus-me a observar os atributos visuais externos da viatura. É atraente. As rodas de 16 polegadas são mais discretas que as belíssimas aro 17 de seus irmãos mais fortes. Os sapatos do menino são Michelin Primacy HP de medida 205/55 R16, exatos 40 mm de borracha a menos no chão, por eixo. Não pude deixar de reparar que essas rodas são menos atraentes do que as usadas no Peugeot 307 Presence Pack e Feline.

Excelente porta-malas.

Por falar no antecessor, este tinha teto solar funcional, que abre e ajuda a refrescar o carro. O teto CIELO do 308 só serve para assar os ocupantes que moram em lugares quentes e ensolarados. Mas o dono de um Allure 1.6 ou Active não precisa se preocupar, essa grelha solar só está disponível para os modelos com motor 2.0. Talvez seja uma forma de amenizar o frio na espinha dos ocupantes quando o motorista se empolgar com a potência sedutora do motor de 151 cv.

O visual externo agrada bastante aos olhos, mas a discrição da cor preta faz com que o carro passe meio despercebido no trânsito. Os menos atentos irão achar que se trata de um 307 mais equipado. Não entendi o fato da Peugeot ter desistido dos faróis elipsoidais nesta evolução, que eram tão belos e competentes no antecessor. É meio estranho, mais ou menos como ir a um rodízio de carnes e beber refrigerante light para não engordar.

Conforme o interior do carro foi se tornando mais habitável à sombra, pude me assentar nos bancos bem anatômicos e configurar a melhor posição de dirigir. O Peugeot 308 não te deixa tão perto do chão quanto um Ford Focus ou Chevrolet Cruze Sport6, mas a amplitude de ajustes de banco e direção agrada a motoristas de todas as alturas e gostos. Os apoios de braço individuais e escamoteáveis são bem posicionados, mas são meio duros, além de atrapalhar a troca de marchas, o acionamento do freio de estacionamento e o uso do porta-copos.

Conforto sem espaço.

Na traseira, a situação complica um pouco. Apesar dos bancos confortáveis, o espaço para as pernas e cabeça não são suficientes para alguém que a genética escolheu para pleitear uma vaga no time de basquete. O limite ali é para dois ocupantes de até 1.75 m e uma criança. O lado bom é que há duas boas saídas de ar-condicionado, apoio de braço central e cinto de três pontos com apoio de cabeça para todos.

O climatizador bi-zone funciona com louvor, dispondo de cinco saídas redondas no painel. Só assim para amenizar o bronzeamento proporcionado pela ampla área envidraçada e o pára-brisa inclinado sem faixa degradê. Além disso, está entre os equipamentos de ar-condicionado digital mais fáceis de operar no mercado.

Com um silêncio impecável à bordo, o Peugeot 308 Allure 1.6 se mostra um bom companheiro no trânsito, sendo mais dócil do que o apaixonante 2.0. O escalonamento de marchas é ligeiramente curto, e parece ser exatamente o mesmo para todos os 308 manuais. A embreagem macia e o engate preciso do câmbio tornam bem tranquila as inúmeras trocas de marcha no uso diário na cidade. E esse é definitivamente o habitat ideal para essa versão. Entenda a seguir.

Propulsor EC5

O motor EC5 1.6 16V, com 122/115 cv @ 6000 RPM e 16,4/15,5 kgfm @ 4.000 RPM (Etanol/Gasolina) é dotado de comando variável de admissão, permitindo que 80% do torque esteja disponível a 1.500 RPM. São bons números para um motor 1.6, mas são quase 6 kgfm de torque a menos do que entrega o motor 2.0 16V (22 kgfm) em suas plenas atividades boemias. Enquanto na cidade essa diferença é pouco sentida, na estrada fica bem mais difícil carregar os 1.320 kg de massa. Espero ver esse motor EC5 em modelos mais leves, como o futuro Peugeot 208 por exemplo.

Outra coisa interessante nesse propulsor é o sistema Flex Start, que elimina o arcaico tanquinho de gasolina no cofre do motor. O funcionamento do sistema ocorre por meio do aquecimento do combustível (Etanol) antes da ignição. Sempre que a porta do motorista é aberta, dá-se início ao processo de aquecimento. Minha sugestão é que a Peugeot mude esse processo para que seja inciado no momento em que houver alguém no banco do motorista, ao invés de ser apenas na hora que a porta é aberta. Isso evitaria que o sistema fosse acionado diversas vezes de forma desnecessária em um lava jato, por exemplo.

Esses ponteiros sobem devagar no Allure 1.6

Em movimento, as imperfeições são menos sentidas do que no Allure 2.0, isso é devido apenas às rodas menores no modelo mais fraco, somadas aos pneus de perfil mais alto. Não parece haver qualquer mudança  no conjunto de suspensão, que é igual em todos os 308. Os freios também são os mesmos, e são exemplares, sobra freio em qualquer situação, mesmo em descidas de serra mais insanas. A única diferença que senti foi na entrada do ABS, mais cedo no 1.6.

Na estrada, sem qualquer subida, não há qualquer dificuldade em manter o limite de velocidade padrão das rodovias. Mas como o leão gosta de altos giros, qualquer subida com maior inclinação pede uma 4ª marcha para manter o ritmo. Não há problema nisso para quem gosta de dirigir, mas a questão é que mesmo efetuando a redução, a impressão é de que a força está sempre no limite, deixando o motorista sem a sensação agradável de que há motor sobrando para qualquer necessidade.

Como na descida todo santo ajuda, aí sim o Peugeot 308 Allure 1.6 mostra o seu lado bom. Dar uma descida para esse carro é como dar chocolates para a sua namorada com TPM. A direção é precisa e tem peso exemplar, as reduções de marcha são acompanhadas por um ronco áspero mas sensual. Jogue o Peugeot nas curvas e ouça os pneus cantando com uma afinação que deixaria alguns sertanejos com inveja. Senti que esses pneus 20 mm mais finos e o bloco do motor mais leve deixam o carro mais arisco, com a traseira mais comunicativa ao trail braking, dando ao conjunto um comportamento mais neutro do que o substerçante 2.0. Mais suscetível a transformar pilotos em asininos, mas é uma delícia.

Em minha avaliação, considerei crítico apenas o uso do modelo em estradas de mão-dupla. Mesmo reduzindo para 3ª marcha e esmagando o pedal do acelerador, a sensação é a mesma de viajar com um carro 1.4 ou mesmo 1.0, visto que as ultrapassagens pedem uma boa porção de pista livre. Para quem está acostumado com carros de força mediana, não há diferença. Se você pensa em comprar o Active ou Allure 1.6, não faça test drive naquele Allure 2.0 manual que está te olhando lá no fundo do showroom.

Após rodar em torno de 480 km em variadas situações, o ponto positivo foi o computador de bordo informando uma média de consumo igual a 9,6 km/l de Etanol, o que considero até razoável para as inúmeras situações aonde o motor foi bastante exigido durante a avaliação. Ele também tem hábitos etílicos como o irmão mais forte e seus antepassados, mas aquela temporada no Alcoólicos Anônimos fez alguma diferença.

Na hora de devolver o Peugeot, fiquei pensando na questão da diferença de preço entre os modelos. São R$ 3.000 de diferença entre as versões 1.6 e 2.0, sendo que R$ 57.000 é quanto você precisa pagar para levar o mais barato. Os dois carros são rigorosamente semelhantes, a diferença é que o 2.0 traz, além do motor maior, rodas de aro 17 e o controlador/limitador de velocidade, que eu senti falta nessa estadia a bordo do 1.6. Ou seja, enquanto um é estradeiro por natureza (2.0), o outro é o parceiro ideal para quem roda a maior parte do tempo na cidade, com seu rodar mais confortável e seu consumo mais comedido. Eu, particularmente e emocionalmente, levaria para casa o Allure 2.0 manual, sem dúvida. Mas é inegável que o Allure 1.6 é a escolha racional da família Peugeot 308.

Resumindo...

O carro é bom em consumo, equipamentos de série, conforto e comportamento dinâmico, mas é ruim em desempenho na estrada e desvalorização pela origem francesa. Sua compra pode ser considerada RACIONAL.

Texto: Marcelo Silva
Fotos: Divulgação